Fair Trade

A importância do Fair Trade em momentos de crise

16 de junho de 2020

Fair Trade – principais fatores em momentos de crise; impactos da instabilidade comercial; perspectivas de futuro; certificação e outros pontos relevantes na visão de Leonardo D’Angelo

Vejo que da mesma maneira que as sociedades evoluíram, onde, por exemplo, no campo dos direitos individuais tivemos o que se costuma chamar de direitos de primeira geração (civis e políticos), passando para a segunda geração de direitos econômicos, sociais e culturais – as empresas podem ser pensadas como “micro sociedades” que tendem a refletir seus anseios através de suas práticas organizacionais e modelos de governança.

Inicialmente, esta governança era muito focada em garantir que os resultados financeiros estivessem fielmente refletidos nos balanços da empresa – o que levaria ao justo retorno nas cotas dos seus acionistas.  Casos marcantes como o escândalo da gigante Enron nos EUA trouxeram à tona as fragilidades deste sistema e necessidade de novos controles – estes refletidos na lei Sarbanes-Oxley (SOx) – responsável pelo aprimoramento do compliance nas empresas.

Em resposta a este momento extremo que vivemos agora, de forma similar ao que acorreu em 2002 com a SOx, o compliance e as práticas “justas” vem sendo postas em teste dado a necessidade das empresas de se adaptarem à um novo cenário econômico. Assim, a incorporação de práticas de Fair Trade aos mecanismos de Compliance e Governança corporativa das empresas representam uma evolução natural do modelo, que vem com o intuito de “frear” distorções nas negociações que possam prejudicar principalmente os fornecedores menores da cadeia de suprimentos e, consequentemente, a sociedade / economia.

Cinco principais fatores de atenção do Fair Trade em momentos de crise

  • Parceria entre fornecedores e empresas compradoras.
  • Foco no equilíbrio do poder de negociação entre comprador e fornecedor alinhado ao conceito de negociação “ganha-ganha”.
  • Expansão do horizonte de impacto para além das cadeias de suprimentos das empresas envolvidas vislumbrando também as sociedades na qual as organizações estão inseridas.
  • Foco em melhorar a vida das pessoas e reduzir a pobreza nas sociedades locais onde esses bens e serviços são consumidos como por exemplo: produtores rurais, escolas e universidades regionais, prestadores de serviços autônomos.
  • Por último, mas não menos importante, a utilização de práticas éticas apoiado por políticas, compliance, processos e sistemas que sustentem as diretrizes e valores baseados em melhores práticas.

Impactos no Fair Trade em decorrência da instabilidade comercial e as Perspectivas de Futuro

A instabilidade comercial gera uma pressão por retomada dos resultados e cria um cenário propício para desvios de conduta que tende a expor os pequenos fornecedores à riscos extremos podendo levá-los, frequentemente, à sucumbência. Empresas que buscam soluções fáceis e rápidas, ou que já tinham práticas de mercado pouco “Fair”, se utilizarão desta prática de forma mais intensiva para restabelecer seu equilíbrio financeiro.

Diante do cenário atual, frente ao impacto da crise trazida pelo COVID-19, as perspectivas são de que muitas das práticas já existentes do Fair Trade, principalmente àquelas que se encontravam em estágios iniciais de uso, ou, com baixa aderência, irão se intensificar fortemente. Neste sentido a área de compras/suprimentos vem com um papel fundamental, pois é uma espécie de “hub” consolidador de demandas e intermediador entre as necessidades da empresa e do mercado.

Para implantar as mudanças necessárias em médias e grandes corporações, a inovação e a transparência de informação proveniente dos modelos trazidos pelas plataformas de fornecedores em nuvem, observando sempre os cuidados de melhores práticas que a LGPD estabelece é um caminho.

Uma mudança positiva seria o “empoderamento” do comprador com informações relevantes sobre os fornecedores, e vice-versa; este caminho pode apoiar o mercado em uma espécie de “seleção natural” de quem são as empresas que realmente praticam o Fair Trade.

Este tipo de plataforma busca, além das informações financeiras dos tradicionais bureaus de crédito (SERASA, Boa Vista), diversas outras dimensões como: trabalho escravo, envolvimento em doações de campanha, certificados de Sustentabilidade – dentre outros.

Quando se agrega novas dimensões sociais a este modelo, sustentando-os com uma política de gestão de fornecedores robusta, criam-se condições iniciais necessárias para suportar o Fair Trade nas médias e grandes empresas.

Importância e parâmetros do selo de certificação Fair Trade

A certificação Fair Trade cria, de certa forma, um “Framework” ou modelo estruturado que permite avaliar e medir de forma sistemática em qual nível de maturidade se encontra cada empresa – a partir daí – pode-se criar um roadmap de ações visando uma maior aderência as práticas de Fair Trade.

Neste sentido, um parâmetro importante seria a empresa ter um grau de maturidade alto na gestão de fornecedores com plataformas digitais (E-procurement, Gestão do Ciclo de vida e performance de fornecedores) implantada para possibilitar a coleta de informações digitais no mercado. Adicionalmente a empresa precisa ter um canal aberto com as comunidades e lideranças locais para dialogar e entender os problemas socioeconômicos, criando uma agenda de parcerias e cooperação.

Como a mudança no Fair Trade pode impactar negativamente a cadeia de suprimentos?

Um dos impactos negativos seria a possibilidade das mudanças necessárias vir condicionada a qualquer tipo de certificação não acompanhada de um amadurecimento gradual de processos, sistemas e pessoas para a absorção de tal modelo.

A experiência tem mostrado que as práticas impostas de forma burocrática não se sustentam no tempo e tendem a incentivar a criação de “mercados paralelos” onde mercenários da certificação e grandes empresas acabam se beneficiando.

O maior desafio para o Fair Trade em momentos de crise é a adoção pelas empresas de uma postura de priorização de pessoas no lugar dos lucros. Todos têm no seu discurso missão, visão e valores; frases do tipo “Pessoas em primeiro lugar”, “Paixão pelo cliente”, mas as metas e modelos de remuneração dos executivos não são aderentes, ou, quase não incluem componentes fora da dimensão financeira.

Pode parecer utopia mas existem exemplos reais a serem seguidos, como é o caso do empreendedor  Hamdi Ulukawa – fundador da Chobani – uma das marcas líderes no mundo na fabricação de Iogurte natural – que chamou a atenção ao declarar que os CEO’s  precisariam de um novo ”Playbook de negócios”, chamando-o de o “anti-CEO playbook”.

Por meio da Chobani foi construído um império a partir de uma antiga fábrica de iogurtes adquirida em Nova-york – prestes a ser fechada – onde foi criada escolas de treinamento técnico na cidade, além de um campo de Baseball para a comunidade local que reviveu o comércio da região reaproveitando 100% dos funcionários – mesmo os mais antigos. O fundador da Chobani não entende que lucros e geração de valor para a sociedade sejam antagônicos entre si; nas suas palavras: “Se você está agindo bem com seus colaboradores, com sua comunidade e com seu produto ou serviço, você será mais lucrativo, mais inovador, terá pessoas com mais propósito trabalhando pra você e sua comunidade te apoiando – este é o novo “Playbook dos CEO’s”.

Assina este conteúdo – Leonardo Barbosa D`Angelo – Profissional de Compras estratégicas e membro do Procurement Club
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